proposição #09

Alexandra Pinheiro Kappke / UFRGS

Por uma perspectiva da evolução urbana, desde o surgimento das primeiras cidades, surtos pandêmicos avassalam populações. Comumente, ao pensar nessas situações, consideramos a falta de saneamento, a precária medicina de um período histórico e o alto adensamento da população como causas ou pelo menos como fatores de agravamento para uma epidemia. É inevitável, no entanto, em situação atual de confinamento, não parar para refletir sobre essa raiz e repensar suas abordagens. A imensa vertente de recursos contemporâneos nas mais diversas áreas e o avanço tecnológico com crescimento cada vez mais acelerado nos ilude de que hoje vivemos o ápice de uma nova era de nossa escala evolutiva, onde já somos muito superiores comparado a nossos antepassados, já possuímos as respostas ou meios de encontra-las. A verdade, no entanto, é que em meio a esse brilho promissor, ainda convivemos, em desolador contraste, com velhas dificuldades: segregação, falta de acesso a serviços médicos e sua má qualidade, adensamento populacional, e subcondições de vida para bilhões de habitantes. O urbanismo é uma atividade tão antiga e primordial na história da humanidade quanto a arquitetura ou a medicina. Dos primórdios dos tempos civilizatórios atestamos tentativas – falhas ou não – de assegurar boas condições de vida à população. Dos cemitérios, esgotos e aquedutos romanos à inserção das fontes e praças renascentistas, sem excluir as abordagens higienistas, tais como A Reforma de Haussman em Paris e a Pereira Passos no Rio de Janeiro. Respostas claras, muitas vezes radicais, à questão do saneamento escasso nas cidades e a baixa qualidade dos espaços públicos. Ideais que em parte foram reaproveitados pelos participantes dos CIAMs, na era moderna. Seus urbanistas obtiveram críticas semelhantes, por seus modelos desconsiderarem a complexidade sociocultural e espacial das cidades crescentes, tê-las mais fixas do que evolutivas, mais segregadas do que coerentemente amplas, inclusivas e de espaços conectados. Que seria então uma abordagem mais coesa, inclusiva e disruptiva para garantir segurança, bem-estar e saúde em nossas cidades e espaços compartilhados, que não caia nesses mesmo erros? Nessas mesmas respostas provindas da ancestral necessidade que ainda enfrentamos? Que podemos realocar no habitar e no dividir os espaços da cidade na vida pós pandemia? Como já atestava Jane Jacobs, a casa como “máquina de morar” e a cidade funcionalista de Le Corbusier são meios fadados ao desastre, prorrogadores de áreas completamente isoladas em contraste ao adensamento de outras. Modelos contemporâneos, como os propostos por urbanistas como Richard Rogers, Smart Cities e Compact Cities, semelhantes em parte à teoria moderna das Cidades Jardim, também não parecem viáveis e poderiam se demonstrar ainda mais falhos, pois isolam a populações em verdadeiros lotes equidistantes, o que apesar de parecer útil em termos de diminuir a propagação epidêmica, não parecem compreender a complexidade e a velocidade do crescimento das cidades e suas conexões nos tempos atuais. Visando o equilíbrio desses fatores, talvez a resposta esteja em redirecionar em escala global novas política dentro do Green New Deal, que na esfera arquitetônica visa espaços mais cooperativos, sistemáticos e integrados, completamente sustentáveis, em especial em esfera ambiental, e que urbanisticamente visa inserção de estratégias que estimulem a equidade entre a população e a diminuição de gases tóxicos em nossas cidades. Isto, a luz de que Mary Prunicki, pesquisadora da Universidade de Stanford, recentemente publicou uma pesquisa que demonstra como as fatalidades de Covid-19 são maiores entre negros e hispano-americanos nos Estados Unidos por conta dos espaços que esses grupos habitam (zonas periféricas de baixa infraestrutura). Ela comprova como a transmissão do Corona vírus está correlacionado com a exposição à poluição do ar, ou seja, a qualidade do ar é fator de aumento dos casos. Não coincidentemente no Brasil, Manaus, uma zona de clima quente e pouca ventilação, é líder em fatalidades. Não diferente de outras epidemias recentes (gripe espanhola, gripe suína, salmonela, etc), a Covid-19 está correlacionada ao consumo de produtos de origem animal. A cidade de Duplin, Estados Unidos, conforme aponta o documentário Cowspirancy, possuí elevada taxa de mortalidade infantil, asma e câncer, devido à proximidade à um criadouro de porcos, um problema da falta de planejamento urbano e sanitário e da segregação dessa população, em maior parte afrodescendente. Não podemos continuar ignorando que os “espaços periurbanos” sejam não somente um grave problema estético e instigador da especulação imobiliária, mas um problema de saúde pública. O mesmo pode ser atestado para a inserção de áreas industriais ou à extração de minérios pesados às margens próximas de nossas cidades ou assentamentos indígenas. Parece, portanto, que a chave poderia estar em controlar a larga escala de disseminação de uma futura pandemia em seu início através de uma arquitetura salubre e renovável, muito antes de meramente implementar e depois descartar os indispensáveis dispositivos de distanciamento social a cada crise. Precisamos acima de tudo repensar a organização de nossas cidades e nossas atividades nela, definir padrões de ocupação individual mais compactos e de maior bem-estar, e públicos mais preocupados com a espacialidade entre os indivíduos, a boa circulação do ar e iluminação natural, assim como reavaliar nossas diretrizes em plano diretor para garantir uso mais consciente dos espaços. Algumas estratégias se baseiam por exemplo em substituir a climatização artificial por técnicas de ventilação natural de referência vernacular; incluir sacadas e terraços em projetos; a introdução de parques internos e cinturões verdes nas margens urbanas para renovação do ar; a preferência por calçadas amplas; repensar a distribuição dos postos de serviços públicos assim como o transporte coletivo, visando evitar o adensamento; garantia de direito dos habitantes das áreas periféricas à cidade, com acessibilidade de serviços e saneamento em sua região; o zoneamento das áreas rurais e industriais; o fim dos incentivos fiscais à criação de gado, que levam os especuladores imobiliários à regularizar e ocupar ociosamente lotes em áreas urbanas com a inserção dos animais no espaço, sem qualquer planejamento sanitário. Esse é o momento de repensar a maneira com a qual estamos acostumados a viver, e lutar pela regularização e incentivo desses novos padrões. Precisamos repensar nossas edificações na raiz ancestral; nossas cidades através de uma perspectiva mais ampla, que considere o quadro geral dos aspectos socioculturais, infra estruturais, naturais, políticos e econômicos da área urbana em questão, especialmente naqueles onde ainda há crescente de urbanização (países em desenvolvimento); e nossos hábitos individuais dentro desses espaços de uma maneira mais consciente, sustentável e empática.

proposition #09

Alexandra Pinheiro Kappke / UFRGS

Dans la perspective de l’évolution urbaine, depuis l’émergence des premières villes, des vagues pandémiques dévastent les populations. On considère généralement, pour analyser ces contextes, le manque d’assainissement, la précarité de la médecine d’une période historique et la grande densité de la population comme les causes, ou au moins, comme des facteurs d’aggravation d’une épidémie. Il est inévitable, cependant, dans le contexte actuel du confinement, de prendre le temps de réfléchir à ces origines et repenser des stratégies. L’immense dimension de ressources contemporaines des secteurs les plus variés et l’avancée technologique en croissance de plus en plus accélérée nous portent à croire à tort que nous vivons aujourd’hui le sommet d’une nouvelle ère de notre évolution, que nous sommes désormais supérieurs à nos ancêtres, et que nous détenons toutes les réponses ou les moyens de les trouver. La vérité, cependant, est que malgré ce vernis brillant, nous faisons encore face à un contraste désolant, à nos vieilles difficultés : ségrégation, manque d’accès aux services de santé et leur mauvaise qualité, densité de population, et précarité de milliards d’individus. L’urbanisme est une activité aussi ancienne et primordiale dans l’histoire de l’humanité que l’architecture ou la médecine. Depuis les ébauches des premières civilisations nous témoignons de tentatives – ratées ou pas – d’assurer de bonnes conditions de vie aux populations. Depuis les cimetières, les égouts et aqueducs romains à l’insertion des fontaines et places de la Renaissance, sans oublier les mouvements hygiénistes, comme la réforme d’Haussmann à Paris et celle de Pereira Passos à Rio de Janeiro. Des réponses claires, souvent radicales, aux questions du manque d’assainissement des villes et de la qualité médiocre des espaces publics. Des idéaux en partie repris par les participants des CIAMs, dans l’ère moderne. Leurs urbanistes ont reçu des critiques similaires, car leurs modèles ne prenaient pas en compte la complexité socioculturelle et spatiale des villes en développement, les décrivant plutôt fixes qu’évolutives, plutôt fermées que dans une logique d’ouverture, d’inclusion et d’espaces connectés. Quelle serait alors une approche plus cohérente, inclusive et disruptive pour garantir la sécurité, le bien-être et la santé dans nos villes et nos espaces partagés, sans tomber dans les mêmes erreurs ? Ces mêmes réponses issues des difficultés ancestrales, auxquelles nous nous confrontons toujours ? Nous pouvons repenser les notions de logement et de partage dans les espaces de la ville post pandémie. Comme en témoignait déjà Jane Jacobs, la maison en tant que « machine à habiter » et la ville fonctionnelle de Le Corbusier sont des modèles voués à l’échec, reproducteurs d’espaces complètement isolés en contraste à la densité des autres. Des modèles plus contemporains, comme ceux proposés par des urbanistes comme Richard Rogers, Smart Cities et Compact Cities, similaires en partie à la théorie moderne des cités-jardins, ne paraissent pas plus viables et peuvent se montrer encore plus défaillants, car ils isolent la population en lots équidistants, ce qui pourrait paraître utile pour freiner la propagation épidémique mais ne prend pas en compte la complexité et la vitesse de croissance des villes et leurs rapports au temps présent. Peut-être que la réponse serait de viser l’équilibre de ces facteurs, de recréer de nouvelles politiques à l’échelle globale en suivant le Green New Deal, qui projette dans la sphère architecturale des espaces plus coopératifs, systémiques et intégrés, complètement durables, surtout dans la sphère environnementale, et qui vise à l’insertion urbanistique de stratégies qui stimulent l’équité entre la densité de la population et la diminution de gaz toxiques dans nos villes. Mary Prunicki, chercheur de l’Université de Stanford, a récemment publié une recherche qui montre que les décès du Covid-19 sont plus nombreux chez les Afro-américains et Hispano-américains des États-Unis en raison des espaces où ces groupes habitent (des zones périphériques précaires). Elle démontre que la transmission du coronavirus est liée à l’exposition à la pollution de l’air, et que la mauvaise qualité de l’air est donc un facteur d’augmentation des cas. Ce n’est donc pas une coïncidence qu’au Brésil, la ville de Manaus, qui est une zone de climat chaud et pourvue de peu de ventilation, soit leader en décès. Ainsi que d’autres épidémies récentes (grippe espagnole, grippe porcine, salmonelle, etc.), l’apparition du Covid-19 est liée à la consommation de produits d’origine animale. La ville de Duplin, aux États-Unis, comme le montre le documentaire Cowspirancy, détient un taux élevé de mortalité infantile, d’asthme et de cancer, dû à la proximité d’un élevage de porcs, un problème de manque de planification urbaine et sanitaire et de séparation de cette population d’afro descendants pour la plupart. Nous ne pouvons continuer d’ignorer que les « espaces périurbains » sont, non seulement un grave problème esthétique et instigateur de spéculation immobilière, mais aussi un problème de santé publique. De même en ce qui concerne l’insertion de zones industrielles ou l’extraction de minéraux lourds à proximité de nos villes ou agglomérations indigènes. Il semble alors que la solution pourrait être de contrôler l’ampleur de dissémination d’une future pandémie à ses débuts, grâce à une architecture saine et renouvelable, bien avant d’implanter puis d’éliminer les indispensables dispositifs d’isolement social propres à chaque vague. Nous devons, avant tout, repenser l’organisation de nos villes et leurs activités, définir des modèles d’occupation individuelle plus compacts et porteurs de bien-être, des occupations d’espace public plus centrées sur la spatialité entre les individus, la bonne circulation de l’air et l’éclairage naturel, ainsi que la réévaluation des orientations de notre plan directeur afin de garantir une utilisation plus consciente des espaces. Certaines stratégies se basent par exemple sur la substitution de la climatisation artificielle par des techniques de ventilation naturelle suivant les modèles vernaculaires ; inclure des balcons et des terrasses aux projets ; l’introduction de parcs internes et de ceintures vertes aux frontières urbaines pour le renouvellement de l’air ; privilégier les trottoirs amples ; repenser la distribution des centres de services publics ainsi que le transport collectif, dans le but d’éviter la densité de la population ; garantir le droit d’accès à la ville des habitants des zones périphériques, et la distribution de services et d’assainissement dans sa région ; la délimitation des zones rurales et industrielles ; la fin des encouragements fiscaux à l’élevage de bétail, qui stimulent les spéculateurs immobiliers à régulariser et occuper des parcelles de zones urbaines pour l’élevage d’animaux sans aucune planification sanitaire. C’est le moment de repenser la manière dont nous avons l’habitude de vivre et lutter pour la réglementation et l’incitation de ses nouveaux modèles. Nous devons repenser nos édifications à la lumière de nos racines ancestrales ; nos villes dans une perspective plus ample, qui considère la sphère globale des aspects socioculturels, infrastructurels, naturels, politiques et économiques de la zone urbaine en question, surtout où il existe encore une urbanisation croissante (pays en développement) ; et nos habitudes individuelles dans ses espaces d’une manière plus consciente, renouvelable et empathique.